"Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a justificação, vieram a alcançá-la, todavia, a que decorre da fé; e Israel, que buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa lei. Por quê? Porque não decorreu da fé, e sim como que das obras. Tropeçaram na pedra de tropeço, como está escrito: Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, e aquele que nela crê não será confundido" Romanos 9:30-33
Na epístola aos Romanos, Paulo prova sistematicamente que não apenas os gentios, mas também os judeus, estavam em um estado de inteira depravação. Então, ele introduz a lei moral, explicando que ela mostra que obras da lei não podem salvar a alma do homem. Santificação, ou santidade, é pela fé e toda obediência aceitável é baseada na fé.
No oitavo e no nono capítulos ele introduz o assunto da soberania divina. Então, na última parte do capítulo nove, ele agrupa toda a matéria e pergunta: "Que diremos, pois?". Os gentios, que nunca pensaram na lei, se tornaram piedosos e obtiveram a santidade que é pela fé; mas os judeus, buscando-a pela lei, falharam totalmente. Por quê? Porque eles cometeram o erro fatal de tentarem se tornar piedosos obedecendo à lei e falharam, enquanto os gentios se tornaram justos através da fé em Jesus Cristo. Jesus aqui é chamado de "pedra de tropeço", porque os judeus se opuseram a Ele. A diferença entre a religião da lei e o cristianismo não está no fato de que sob a lei os homens eram justificados por obras, sem fé. O método de salvação em ambas as alianças era o mesmo. Pecadores sempre foram justificados por fé. A religião judaica apontava para um Salvador que viria. Se os homens eram salvos, enfim, era pela fé em Cristo. E os pecadores agora são salvos da mesma maneira.
O GOVERNO MORAL DE DEUS
O Evangelho não cancelou, nem deixou de lado, as obrigações da lei moral. Ele deixou de lado a necessidade cerimonial da lei, ou Lei de Moisés. A cerimônia da lei não era nada além de tipos apontando para o Salvador e foi deixada de lado quando o grande Antitipo apareceu. Muitas pessoas sustentam que o Evangelho deixou de lado a lei moral, de tal forma, que os crentes não têm obrigação de obedecê-la. Assim era a doutrina dos nicolaítas, que foram severamente reprovados por Cristo (ver Ap 2). Os antinomianos, nos dias dos apóstolos, acreditavam que não tinham nenhuma obrigação em obedecer à lei moral. Eles sustentavam que a justiça de Cristo foi imputada aos crentes. Desde que Ele tinha cumprido a lei por eles, eles não estavam sob a obrigação de obedecê-la. Nos tempos modernos, os perfeccionistas têm sustentado que eles não estão sob a obrigação de obedecer à lei. Eles supõem que Cristo os libertou da lei e que lhes deu o Espírito. Eles acreditam que as orientações do Espírito agora são suas regras de vida, ao invés da lei de Deus. A Bíblia diz que o pecado não terá domínio sobre os crentes, mas essas pessoas pensam que os mesmos atos que seriam pecados, se feitos por uma pessoa não convertida, não são pecados, quando feitos por eles.
Todas as noções como essas estão radicalmente erradas. Deus não tem o direito de deixar a lei moral de lado. Ele não pode nos aliviar da obrigação de amar a Deus e aos homens, porquanto isto é certo em si mesmo. Sem que Deus altere toda a constituição moral do universo, fazendo o errado se tornar certo, Ele não pode deixar de lado o cumprimento da lei moral. Além disto, essa doutrina representa Jesus Cristo e o Espírito Santo levantando armas abertamente contra o governo de Deus. Algumas pessoas falam sobre a liberdade do Evangelho como se elas tivessem uma nova regra de vida, permitindo mais liberdade do que a lei. O Evangelho providenciou um novo método de justificação, mas ele insiste que a regra de vida é a mesma que com a lei.
A primeira grande sentença do Evangelho, a ordem para se arrepender, é, para todos os efeitos, um restabelecimento da lei. É uma ordem para o retorno à obediência. A idéia de que a liberdade do Evangelho é diferente da liberdade da lei, é absurda. Os legalistas dependem de suas próprias obras para a justificação, tanto por profissão, como de fato. Se eles dependem de Cristo para a salvação, sua dependência é uma falsa dependência. Eles dependem dEle, mas sua fé não trabalha por amor, não purifica o coração, ou conquista o mundo. Eles têm um tipo de fé, mas não o tipo que faça dos homens verdadeiros cristãos e os traga sob os termos do Evangelho.
OBEDIÊNCIA LEGALISTA E AMOR
Muitas classes diferentes de pessoas têm uma religião legalista. Algumas professam depender de suas próprias obras para a salvação. Assim eram os fariseus. Eu quero que você distinga entre obras da lei e obras da fé. Esta é a principal diferença a lembrar: algumas obras são produzidas por considerações legalistas e algumas são produzidas pela fé. Dois princípios podem produzir obediência a qualquer governo. Um é o princípio da esperança e do medo, sob a influência da consciência. A consciência aponta para o que está certo ou errado e o indivíduo é induzido, pela esperança ou pelo medo, a obedecer. O outro princípio é confiança e amor. Você vê isto ilustrado em famílias onde um filho sempre obedece por esperança e medo, e o outro por confiança afetuosa. No governo de Deus, a única coisa que sempre produziu mesmo o aparecimento de obediência foi um desses dois princípios.
Várias coisas dirigem nossas esperanças e medos, como caráter, interesse, céu, inferno, etc. Isso pode produzir obediência exterior, ou conformação à lei. Mas a confiança de filho leva os homens a obedecerem a Deus por amor. Esta é a única obediência aceitável por Deus. Deus requer um certo tipo de conduta e ele depende do amor. Nunca houve, e nunca pode haver, no governo de Deus, qualquer obediência aceitável, apenas a obediência da fé. Algumas pessoas pensam que a fé deixará de existir no céu, como se não houvesse nenhuma ocasião para confiar em Deus no céu, ou nenhuma razão para exercitar confiança nEle!
Aqui está a grande diferença entre religião da lei e cristianismo: obediência legalista é influenciada por esperança e medo, e é hipócrita, egoísta, exterior e forçada. A obediência do Evangelho é pelo amor, e é sincera, livre, agradável e verdadeira. Os legalistas dependem de obras da lei para a justificação, desafiando o que eles chamam de princípio do correto e forçando a si mesmos a fazerem o correto, não por respeito à lei de Deus, ou por amor a Deus, mas, apenas, porque é correto. A religião da lei é a religião do propósito, ou desejo, fundamentada em considerações legalistas e não a religião da preferência ou amor a Deus. O indivíduo quer acabar com seus pecados e se propõe a obedecer a Deus e ser religioso. Seu propósito não surge por amor a Deus, mas por esperança e medo. O propósito fundamentado nessas considerações é muito diferente do propósito que se faz por amor. Cristianismo não é um mero propósito, mas uma real preferência que consiste em amor. Alguns legalistas dependem de Cristo, mas sua dependência não é a dependência do Evangelho, porque as obras que fazem são obras da lei, da esperança e do medo. A dependência do Evangelho pode produzir as mesmas obras exteriores, mas os motivos são radicalmente diferentes. Os legalistas se arrastam em uma penosa, cansativa vida religiosa, moral e externamente. O crente do Evangelho tem uma confiança afetuosa em Deus, que o leva a obedecer por amor. Sua obediência é movida por seus próprios sentimentos. Ao invés de ser obrigado a obedecer, ele é levado alegremente a fazê-lo, porque ele ama isso e fazê-lo é um deleite para sua alma.
Os legalistas esperam ser justificados pela fé, mas não aprenderam que precisam ser santificados, ou separados, pela fé. Os legalistas modernos não esperam ser justificados pelas obras, porque eles sabem que isso é inadequado. Eles sabem que a maneira de serem salvos é por Cristo. Mas eles não têm uma crença prática de que a justificação pela fé é verdadeira, apenas, quando os homens são santificados, primeiro, por fé. E, assim, enquanto eles esperam ser justificados pela fé, eles fazem obras que são obras da lei.
O JUGO DE AMOR DE JESUS
Verdadeiros cristãos e legalistas podem concordar em que haja necessidade de boas obras e, teoricamente, no que consistem as boas obras, ou seja, obediência vinda do amor a Deus. Eles podem concordar em almejar fazer boas obras dessa forma. Mas a diferença está nas diferentes influências que os habilitam a fazerem boas obras. A consideração que eles esperam afetar suas mentes é diferente. Eles olham para coisas diferentes, como causas. O verdadeiro cristão sozinho é bem sucedido em, efetivamente, fazer boas obras. O legalista, almejando fazer boas obras, é influenciado por esperança, medo e uma recompensa egoísta do seu próprio interesse. Ele obedece à voz da consciência, porque ele tem medo de fazer de outra forma e não consegue amar a Deus com todo seu coração, alma e força. Os motivos por trás dos atos dos legalistas não têm nenhuma disposição para trazê-los à obediência do amor. O verdadeiro cristão, pelo contrário, aprecia a Deus, percebe e entende Seu caráter. Em Cristo, ele tem tal confiança afetuosa em Deus, que ele acha fácil obedecer por amor. Os mandamentos não são penosos. O jugo é suave e o fardo é leve. Ele encontra os caminhos da sabedoria e os considera caminhos de prazer e todas as suas veredas, paz (ver Pv 3.17). É assim com você? Você se sente constrangido por amor em suas obrigações? Você é puxado, como que por fortes cordas de amor, de forma que isso lhe daria mais problemas ao desobedecer do que ao fazer a Sua vontade? Suas afeições fluem em fortes correntes para Deus?
Qual é o problema com as pessoas que acham difícil obedecer e, mais difícil ainda, amar? Pergunte para a esposa que ama seu marido, se ela acha difícil tentar agradá-lo. Suponha que ela responda em tom solene: "Sim, eu acho difícil obedecer e, mais difícil, amar meu marido". O que o seu marido pensaria? O que vocês, pais, diriam se ouvissem um de seus filhos dizendo: "eu acho difícil obedecer meu pai e, mais difícil, amá-lo."? Existe um defeito enorme na religião de pessoas que amam certas expressões e vivem como se elas fossem verdadeiras. Se qualquer um de vocês considera servir a Jesus como sendo uma coisa dolorosa, esse alguém tem a religião da lei.
Alguma vez você achou doloroso fazer o que você ama fazer? Não! É um prazer fazer isto. Cristianismo não é trabalhar, ele é um sentimento do coração. O que você faria no céu, se servir a Deus é uma coisa tão dolorosa aqui? Suponha que fosse levado para o céu e obrigado a viver intensamente a religião todas as semanas, meses e anos eternidade afora. Que tipo de céu isso seria para você? Seria céu ou inferno? Se você fosse solicitado a ter dez mil vezes mais religiosidade do que você tem aqui e toda a sua vida tivesse que ser preenchida com essa obrigação, o inferno não seria um alívio para você?
Uma classe se esforça para ser religiosa através da esperança e do medo. Sob a influência da consciência, eles se açoitam, caso não consigam cumprir suas obrigações. A outra classe age por amor a Deus e pelo impulso de seus próprios sentimentos. Eles sabem o que as Escrituras querem dizer: "...Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Jr 31.33). Você pode ver esta experiência em quase todos os pecadores condenados, depois que eles se tornaram verdadeiramente convertidos. Eles estavam condenados e a lei apresentou as provas disso para as suas mentes. Eles se esforçaram para cumprir a lei. Eles estavam em agonia, mas, então, ficaram cheios de alegria e glória. Por quê? Eles agonizavam sob a lei. Eles não tinham nenhum descanso e nenhuma satisfação e tentavam agradar a Deus mantendo a lei. Eles trabalhavam com dor, liam a Bíblia e tentavam orar. Mas o Espírito de Deus estava sobre eles, mostrando a eles seus pecados e eles não tinham nenhum alívio. Quanto mais eles tentassem ajudar a si mesmos, mais profundamente entravam em desespero. Por todo o tempo seus corações estiveram frios e egoístas. Agora os deixe serem influenciados pelo amor de Deus. O mesmo Espírito Santo está sobre eles, mostrando a eles os mesmos pecados que os afligiram e angustiaram daquela forma antes. Mas, agora, eles dobram seus joelhos, lágrimas brotam como água na medida que confessam sua culpa e seus corações se derretem. Agora eles cumprem as mesmas obrigações; mas que diferença! O Espírito de Deus quebrou suas correntes e agora eles amam e são cheios de alegria e paz em acreditarem.
A FÉ TRABALHA POR AMOR
Aqui está a diferença entre a escravidão da lei e a liberdade do Evangelho: a liberdade do Evangelho não consiste em ser liberada de fazer o que a lei requer, mas em o homem estar em tal estado mental, que fazer isso é, por si só, um prazer. Qual é a diferença entre escravidão e liberdade? O escravo serve, porque ele tem que fazer assim, mas o livre serve por opção. O homem que está sob a servidão da lei serve, porque a consciência grita em seus ouvidos, caso ele não obedeça, e ele espera ir para o céu, se ele for obediente. O homem que está na liberdade do Evangelho serve, porque ele ama fazer isso. Um é influenciado por egoísmo e o outro por amor abnegado.
Quando olhamos para as palavras e ações da maioria dos cristãos professos, vemos que eles cometeram um erro e têm a religião da lei. Eles não foram constrangidos pelo amor de Cristo, mas foram movidos por esperanças, medos e mandamentos de Deus. Eles não foram nada além de onde estavam sendo pecadores condenados. Eu testemunhei a regeneração de tantos falsos convertidos, que eu temo que grandes multidões na Igreja ainda estejam sob a lei. Muito embora eles digam que dependem de Cristo para a salvação, sua fé não opera por amor.
Algumas pessoas são totalmente fé, sem obras. Elas são antinomianas. Outras são totalmente obras, sem fé. Elas são as legalistas. Em toda a Era da Igreja, os homens têm se inclinado primeiro para um destes extremos e depois para o outro. Algumas vezes eles pretendem ser totalmente fé, esperando pelo tempo de Deus. Então se tornam zelosos por obras, sem considerarem os motivos pelos quais agem. A verdadeira característica desses falsos convertidos é chorar gritando "legalismo!", assim que sejam desafiados com santidade.
Quando comecei a pregar, encontrei esse espírito em muitos lugares. Os cristãos da época estavam ansiosos por obras. O choro subia: "Isto é pregação legalista! Pregue o Evangelho; salvação é pela fé, não por obras; você tem a obrigação de confortar os santos, não de angustiá-los!". Tudo isso não era nada além do que um posicionamento antinomianista. Por outro lado, as mesmas pessoas, agora, se queixam se você prega a verdadeira natureza da fé do Evangelho. Agora, eles querem fazer alguma coisa e insistem em que nenhuma pregação é boa se não os encorajar a boas obras. Todos querem fazer, fazer, fazer e ficarão insatisfeitos com pregações que façam distinção entre verdadeira e falsa fé e anseiam por obediência de coração, sem o amor a Deus. Os antinomianos esperam por Deus para produzir sentimentos corretos neles. Os legalistas querem ganhar sentimentos corretos colocando mãos-à-obra.
Buscar as obras é o caminho, quando a Igreja se sente certa em fazê-lo sobre sentimentos corretos. Mas se precipitar na obra sem qualquer atenção aos motivos do coração não é o caminho para ganhar sentimentos corretos em primeiro lugar. Cristãos verdadeiros são uma pedra de tropeço para ambas as partes: para aqueles que esperam pelo tempo de Deus e não fazem nada, e para aqueles que se apressam em fazer, sem nenhuma fé. O verdadeiro cristão age por amor a Deus e suas criaturas e trabalha com dedicação para arrancar os pecadores do fogo. Se a Igreja está acordada e tem o espírito de oração e zelo pela conversão dos pecadores, haverá alguns que se sentarão e se queixarão que a Igreja está dependendo de sua própria força. Outros estarão muito ocupados e barulhentos, mas sem qualquer sentimento.
A terceira classe estará tão cheia de amor e compaixão pelos pecadores, que eles dificilmente podem comer ou dormir, mas tão humildes e gentis, que você imaginaria que eles consideram a si mesmos como sendo nada. O legalista, com seu zelo seco, faz um grande barulho, engana a si mesmo e pensa que está agindo exatamente como um cristão. O verdadeiro cristão é agitado e ativo no serviço de Cristo, mas se move com o fogo santo que queima dentro de seu próprio peito.
A religião de algumas pessoas é firme e uniforme, enquanto a de outras é indecisa e instável. Você encontrará algumas pessoas sempre excitadas a respeito de Jesus. Fale com elas em qualquer momento e suas almas se entusiasmarão. Outros estão acordados apenas agora e, então, por um momento, você pode encontrá-los cheios de zelo. Quando alguém tem a unção que permanece, ele tem algo que é durável. Mas, se sua religião é apenas aquela da lei, ele apenas terá tanto dela, quanto ele tem de convicção no presente momento. Alguns estão ansiosos para irem para o céu, enquanto outros estão felizes aqui. Os verdadeiros cristãos tem um amor por almas. Eles têm tamanho desejo de terem o Reino de Cristo edificado na terra, que eles estão perfeitamente felizes em viver e trabalhar para Deus, pelo tempo que Ele determinar que eles o façam. Se eles fossem mandados ao inferno e tivessem permissão para trabalhar lá por almas, eles ficariam felizes. Outros falam como se as pessoas não fossem destinadas a desfrutar da vida; mas, quando forem para o céu, esperam ser felizes. Eles não têm nenhuma satisfação, exceto na esperança. O outro já tem a realidade, a grande substância do céu iniciada na alma.
Que tipo de cristianismo você tem? Verdadeiro cristianismo é sempre o mesmo e consiste em amor sem interesses a Deus e aos homens. Isso descreve você? A sua fé consiste em perseguir a felicidade como o grande fim? Não há nenhuma condenação no verdadeiro cristianismo. Mas, se algum homem não tem o Espírito de Cristo, ele não é dEle. Por favor, não cometa o erro de ir para o inferno com uma mentira em sua mão direita, porque você tem a religião da lei. Os judeus falharam assim, enquanto os gentios obtiveram verdadeira santidade pelo Evangelho. Quantos estão enganados, agindo sob considerações legalistas, enquanto não sabem nada sobre o verdadeiro cristianismo?
Traduzido por René Burkhardt
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