Ed René Kivitz
Na hora de descrever a vida, o Eclesiastes é direto, sem rodeios. Parece que é direto até demais. E, na hora de tratar do fim da vida, ele continuou sendo direto, quase rude. Raramente queremos admitir a morte, menos ainda enfrentá-la. Mas a resposta é “Viva intensamente!”. Como viver assim?
Em primeiro lugar, desfrute a vida. Há coisas que estão reservadas aos seres humanos que gozam de saúde. É a celebração do efêmero que o Eclesiastes prescreve com tanta insistência. É o resgate da mesa com amigos, do romance, dos afetos parentais (9.7-10).
Para Harold Kushner, “estar vivo é a capacidade de fazer as coisas que os vivos fazem”. Mas fazer essas coisas simples e efêmeras parece superficial, coisa de gente que não tem profundidade. Resistimos muito à idéia de desfrutar a vida ao máximo, porque isso nos cheira a coisa de gente mesquinha, fazendo coisas rasas em um mundo pequeno. Mas o mundo não é pequeno. Foi apequenado.
Precisamos nos lembrar de Deus como redentor. Aquele que faz novas todas as coisas. Abre novamente o leque da vida, reverte os efeitos nocivos que limitaram os horizontes do mundo, transforma pessoas. A imago Dei [imagem de Deus] um dia estará novamente plena nos seres humanos e o universo será coberto pela glória-beleza-bondade de Deus, como por um manto de alegria, justiça e paz.
Mas o que a redenção do ser humano e a do mundo têm a ver com o Eclesiastes? É que a promessa de Deus não é construir outro mundo, um mundo que não tenha conhecido a corrupção e o caos. A promessa de Deus é restaurar esse mundo, e nós nele. Talvez você se sinta tentado a dizer que o céu fica lá em cima, e que a Nova Jerusalém, a cidade santa, está no alto. Mas a Bíblia constrói outra metáfora do paraíso restaurado: a Nova Jerusalém desce dos céus para a terra! Não é a Terra que vai para o Céu, é o Céu que vem para a Terra. Nós esquecemos que a melhor obra de Deus foi o ser humano. Estamos indo contra a corrente divina quando tentamos deixar de ser gente e tentamos ser seres espiritualizados-etéreos. Ser gente vale mais que ser anjo. Por isto, a obra divina não desmerece o mundo nem a humanidade que o habita. Desfrutar a vida nesse mundo é honrar a Deus, que criou o ser humano e o mundo.
Desfrutar a vida é celebrar o que Deus fez de belo e de bom. Quando desmerecemos o mundo de Deus, ofendemos a Deus e diminuímos a nós mesmos. Fomos criados para viver na atmosfera, não na “espiritosfera”. Quando fazemos pouco caso da nossa condição humana, desperdiçamos a melhor parte da criação de Deus.
Em segundo lugar, escolha viver. Para viver intensamente é preciso assumir uma atitude diante da vida, é preciso querer viver. Os dias de trevas serão muitos, mas ainda não chegaram. Não tema os vales da sombra da morte, não tema a inevitabilidade da morte, não tema a decadência que vem de carona com a velhice. Não tema nem mesmo a morte. Horace Kallen disse que “há pessoas que pautam a vida em função do temor à morte, e há pessoas que pautam a vida pela alegria e satisfação da vida. Os primeiros vivem morrendo, os outros morrem vivendo”.
Há quem faça questão de arranjar motivos para se desesperar da vida. São os que abandonam o viver e vivem morrendo, reclamam sempre e vivem repetindo que tudo está ruim. Afinal, o mundo é mau, a economia está péssima, o presidente atual é terrível e o próximo presidente será ainda pior... Essas pessoas vivem debaixo da sombra da morte e, por isto, vivem morrendo.
É aqui que o Eclesiastes intervém e diz: “Morra vivendo!”. Enquanto tiver um fiapo de vida, você tem de comer e beber; enquanto tiver um restinho de fôlego, um último minuto que seja, viva! São belas as palavras de Harold Kushner:
“Não tenho medo da morte, porque sinto que vivi. Amei e fui amado. Fui desafiado em minha vida pessoal e profissional, e consegui, senão um desempenho perfeito, pelo menos qualificável, e, talvez, um pouco mais do que isso. Deixei minha marca nas pessoas e cheguei a um ponto da vida em que não mais preciso me preocupar com esta marca. Sou capaz de olhar para o último ato de minha vida, tenha ela a duração que tiver, com a certeza de que, finalmente, aprendi quem sou e como devo conduzir a vida. Ando sem medo pelo vale das sombras; não apenas porque Deus está comigo, mas porque Ele me trouxe até aqui [grifo meu]. Não há jeito de evitar a morte, mas a única cura para o medo da morte é o sentimento de ter vivido” (Quando tudo não é o bastante. São Paulo: Nobel, 1997).
Há uma razão para a insatisfação no ocaso da vida: a sensação de uma vida desperdiçada. No tempo das sombras, no crepúsculo, a gente se alegra com as memórias e colhe os frutos das sementes que lançamos ao chão enquanto era dia. A grande aflição não é morrer, mas morrer sem ter vivido, é morrer sem ter descoberto porque, afinal de contas, vivemos. Morra vivendo em vez de viver morrendo.
Em terceiro lugar, não passe vontade. A mensagem do Eclesiastes para nós é: “viva, desfrute, seja feliz no seu coração nos dias da sua juventude” (11.9). Em outras palavras, pinte e borde. Siga pelo caminho que seu coração mandar, até onde a vista alcançar. Entre de cabeça, viva de verdade. Assuma a responsabilidade por viver assim, e assuma-a com o zelo de quem não quer deixar a vida passar.
Acaba aí o conselho do Eclesiastes? Não. Fica parecendo um convite à irresponsabilidade, certo? Nada disso. Ele aproveita a deixa para dizer que: “Deus trará a julgamento tudo o que foi feito” (12.14).
Parece que o Eclesiastes, um sábio, colocou a vida em nossa própria mão e a respeito dela pronunciou: “Será como vocês quiserem!”. Talvez ele fizesse uma pergunta: “Vocês querem vida viva ou vida morta?”.
Assuma responsabilidades e viva intensamente, sabendo que um dia Deus vai chamá-lo e pedir conta de seus atos, sejam eles bons ou maus.
Por um lado, podemos fazer muitas escolhas que definem nossa biografia. Por outro lado, essas escolhas só podem ser feitas porque muita coisa já estava pronta antes de nós e outras tantas se desenvolvem à nossa revelia. Lembrar do Criador significa que você não é fruto da própria vontade o tempo todo. Nem sempre suas determinações e programações funcionam, porque o mundo em que vivemos não funciona sempre como queremos.
C.S. Lewis disse que “se é certo que eu fui criado por alguém é certo também que sobre mim repousam imperativos que eu não teria se eu tivesse criado a mim mesmo” (Cristianismo puro e simples. São Paulo: ABU, 1979). Esses imperativos lhe dizem que sua existência tem propósito.
Antes de qualquer coisa, houve desígnio e propósito. Algo dentro de nós reflete a imagem e semelhança de Deus. É fácil entender a importância disso para a vida bem vivida: é que vivemos bem quando vivemos de acordo com o projeto original, com o qual você já nasceu. De novo C.S. Lewis: “Deus nos criou para a felicidade, mas a felicidade de sermos um, indo a Ele numa relação de amor”.
Os rebeldes tentam viver como se fosse possível – ou desejável – mudar esse projeto. Eles tentam tirar a imagem e semelhança de Deus de dentro deles para colocar no lugar outra imagem qualquer, geralmente a imagem idealizada de si mesmos. Mas isso não funciona. Por isso mentir causa mal-estar, roubar tira o sono, ser egoísta arranca algo de dentro da pessoa, o egoísmo faz a pessoa girar de um lado para o outro na cama durante a noite. Os rebeldes deixam a vida escorrer por entre os dedos, pois a usam somente para si. Tentam guardar o máximo de vida possível, mas só conseguem viver uma vida morta. Aos poucos a vida escorre por entre seus dedos.
Pense também que Deus não vê graça em ver sua vontade cumprida e deixar a vontade do homem de lado. Felicidade, plena realização humana, satisfação e alegria surgem só quando as duas vontades estão alinhadas. Buscar a felicidade não é errado. O problema surge quando buscamos prazer e felicidade em outras fontes e não em Deus.
Um exemplo impressionante é o que Deus diz a seu povo por intermédio do profeta Jeremias: “O meu povo cometeu dois crimes: eles me abandonaram, a mim, a fonte de água viva; e cavaram as suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água” (2.13). Poderíamos parafrasear o mesmo trecho, da seguinte forma:
“Eles acharam que poderiam ser felizes vivendo para sua própria glória, em vez de viver para a minha glória. Acharam que poderiam ser felizes tomando decisões à luz de sua própria sabedoria, em detrimento da minha sabedoria eterna. Acharam que poderiam ser felizes servindo a si mesmos, em vez de servirem a mim. Acharam que poderiam ser felizes tornando-se seus próprios deuses. Mas não podem! E eu fico estarrecido de ver essa pretensão na humanidade”.
A conclusão é tão simples quanto poderosa: viva longe de Deus e viverá longe de si mesmo; viva apenas para si mesmo e nem isso você conseguirá. O caminho cristão para a felicidade é aquele em que a palavra “prazer” cabe na mesma frase que a palavra “Deus”.
Este texto é um trecho do livro “O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia”, de Ed René Kivitz, páginas 200 a 207, publicado originalmente pela Editora Mundo Cristão.
Recomendo a todos a leitura desse livro, pois é de grande valor na nossa edificação cristã. Acesse http://mundocristao.com/default.asp , para maiores informações.
10 comentários:
Querido René, Graça e Paz!
Excelente este texto do Ed René Kivitz. Como diz uma frase famosa por ai: "Viver sem Jesus, não é viver".
Jesus continue te abençoando!
Em Cristo,
Elton Morais
Meu amado Elton,
Quanto tempo!!
Não só este texto, mas todo o livro de onde ele foi extraído. Este, realmente vale à pena ler!
A frase que você lembrou sintetiza bem isso, mesmo.
Continue na Paz do Senhor, meu irmão!
O que mais me chama atenção éAp. 21:1 e 2. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do Céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo”
Interessante muitos pensam que será lá encima com mansões douradas e ruas de ouro, mas esquecem que os mansos herdarão a terra e não céu, novos céus e nova terra , a nova Jerusalém desce e não sobe. Muito legal seu texto . apesar de já conhecer o assunto.Bjs!
Que bom que você já conhecia o assunto, Rô!
Eu também já conhecia, mas resolvi publicar esse texto do Ed Xará Kivitz, aqui, porque sei que tem gente que desconhece isso!
Valeu!
Bjs e Paz!
René, excelente o texto do Pr. Ed Rene. Quanto a Nova Jerusalém que desce do céu, creio que as coisas serão infinitamente diferentes de hoje, tipo: integradas. Então Céu na Terra ou Céu no Céu tanto faz, a geografia é o de menos. Paz.
Pô, Cláudio!
Você puxou um detalhe importantíssimo! Faz muito sentido, a geografia ser o de menos nesse caso!
Muito bem pensado! Valeu!
Abração e continue na Paz!
Olá, paz!
Bom texto mesmo,devemos viver com prazer, alegria e principalmente como disse Jesus:
Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim.
Nossa cidade é celestial,e desceremos para herdar a terra como assim diz:
E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.
E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido.
E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus.Ap21 1-3
Viver bem é viver em Cristo,com Cristo e para Cristo!
Paz!!
Isso mesmo, Rita,
"Viver bem é viver em Cristo,com Cristo e para Cristo!", em todas as ocasiões. Muitos têm deixado de participar de festas de parentes, comemorações com amigos, de aproveitar um descanso em uma praia ou em uma cachoeira, pensando que tais coisas desonram a Deus. Se Ele está junto de nós, certamente isto não será uma desonra, mas uma honra para Ele, que formou todas as coisas e quer, sim, a nossa felicidade.
É a melhor forma do mundo reconhecer que Deus enviou Seu Filho, Jesus, e que Ele tem nos amado, como O amou.
Valeu pela contribuição!
Grande abraço e continue na Paz!
Esse texto é muito puro. Lança sobre nós uma vontade alucinante de viver, buscando a plenitude da vontade em DEUS. Despertou-me o desejo de orar: "DEUS, me ensina a viver!". Poderosíssimo!
É verdade, Matheus,
Também tive esse sentimento ao ler esse trecho do livro do Ed Xará.
Vejo que boa parte da "cristandade" está precisando disso!
Valeu pelo comentário!
Abração e continue na Paz!
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